Apoio de Trump à cannabis pode influenciar conservadores brasileiros que ainda resistem à planta

Especialistas analisam os possíveis impactos das declarações em políticos brasileiros que se inspiram no republicano norte-americano

Publicada em 10/09/2024

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Por Leandro Maia,Gabriela Fernandes

A recente declaração de Donald Trump a favor da legalização da cannabis provocou discussões sobre os possíveis reflexos na política conservadora no Brasil. Embora o ex-presidente dos Estados Unidos tenha adotado uma postura favorável ao tema, especialistas como Henrique Carneiro e Tarso Araújo afirmaram que a resistência no Brasil permanece forte, principalmente entre setores religiosos, militares e de extrema direita, que hoje domina o cenário político conservador.

Henrique Carneiro, professor de história moderna da USP, afirmou que "o bolsonarismo é uma constelação com três setores básicos: religiosos, militares e o grande capital". 

Segundo ele, enquanto o grande capital conseguia enxergar a cannabis como um mercado lucrativo, os outros dois setores, "por razões ideológicas, puritanismo e participação no tráfico", como a exemplo das milícias formadas em grandes capitais, se mostram impermeáveis ​​à legalização. 

"O primeiro setor é impermeável à legalização por razões ideológicas, puritanismo e visão anticientífica. Os militares são beneficiários diretos da proibição, tanto por participarem do tráfico quanto por terem seu aparato e verbos inflacionados sob o pretexto da guerra às drogas. O grande capital é o único setor que poderia interessar pelos lucros do mercado legal, inclusive o agro. No entanto, a sua dependência ideológica do fanatismo religioso e do militarismo torna isso difícil", afirmou Carneiro. 

Carneiro ainda destaca o interesse militar na manutenção da proibição, visto que isso infla o aparato de segurança sob o pretexto da guerra às drogas.

Tarso Araújo, jornalista e documentarista especializado em cannabis e políticas de drogas, complementa a análise afirmando que a direita liberal nos EUA apoia a legalização há décadas, mas o Brasil enfrenta outro cenário: "Aqui, temos um movimento reacionário de extrema direita que flerta com o negacionismo científico." 

Para ele, a influência de Trump sobre os bolsonaristas pode até confundir os opositores da legalização da cannabis, mas os setores evangélicos e policiais não devem ceder tão facilmente. "Dada toda a influência de Trump sobre o clã Bolsonaro, que ainda liderou a extrema direita, acredito que essa fala vai, sim, dar um nó nos oposicionistas da cannabis", analisa.

Mesmo com a declaração de Trump, o campo conservador brasileiro, profundamente inspirado por ideologias religiosas e militares, mantém sua oposição. Carneiro lembra que setores de extrema direita, como os "ultra neoliberais da linha de Milton Friedman", poderiam apoiar a legalização, mas são minoria em um cenário onde o conservadorismo e o militarismo ainda ditam as regras. "Os ultraneoliberais, da linha de Milton Friedman, sempre foram a favor da legalização", conclui Carneiro.

 

Como o tema repercute entre norte-americanos

 

Há poucas horas de debate entre Donald Trump e Kamala Harris, que nunca se enfrentaram em debate, o tema da flexibilização da maconha já ganha destaque entre os eleitores norte-americanos. Em entrevista com moradores do Kansas, opiniões divergentes sobre o impacto dessa política emergem.

A enfermeira Juliet Sokel, residente do estado, acredita que o apoio de Trump à descriminalização pode ser atraente para alguns grupos, especialmente aqueles que priorizam a reforma prisional. “Embora a posição Harris sobre a flexibilização da maconha seja semelhante à do ex-presidente Trump, outras questões podem ser os fatores determinantes para as eleições nesta eleição."

O vendedor Dedrick Hawkins, outro morador do Kansas, viu a medida sob um prisma econômico. "Minha primeira impressão foi de que ele estava favorecendo os militantes que usam maconha apenas para tentar obter votos extras. No entanto, ao pesquisar como os impostos seriam utilizados e o impacto de manter pessoas fora das prisões a nível federal (o que poderia significar uma redução nos gastos com as prisões e, consequentemente, menos financiamento necessário vejo), a proposta mais como uma medida econômica para tentar reduzir os recursos gastos nas prisões e melhorar as infraestruturas por meio dos impostos que serão gerados."

Trump e Kamala se enfrentam pela 1ª vez nesta terça no debate que pode definir eleições nos EUA, às 22h, no horário de Brasília.

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