Ministro Carlos Fávaro está disposto a regulamentar o plantio de cannabis

Ministério da Agricultura e Pecuária está disposto a enfrentar as demandas atuais relacionadas à regulamentação do plantio e destina pauta da cannabis a chefe de assessoria

Publicada em 17/09/2024

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Por Bruno Vargas

Especialistas do setor canábico, agricultura e saúde se reuniram, neste mês de setembro, na Câmara dos Deputados, em Brasília, para discutir a produção de cânhamo industrial no Brasil. Com o fomento do tema pelo ministro da Agricultura e Pecuária (MAPA) - que esteve presente no encontro - e outros atores, a regulamentação da cannabis medicinal e do cânhamo industrial avança, mas ainda enfrenta entraves regulatórios

“A pauta da cannabis há muito tempo tem sido exigida ao ministério. Não dá mais para ficar como está”, comenta a chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do MAPA, Ana Paula Porfírio. “Existe um custo de judicialização gigantesco para um remédio com preço original baixíssimo. Através da ciência, dos estudos e dos grupos de trabalho, vamos mudar essa realidade. Estamos juntos nessa questão”, completa Porfírio.



Veja a entrevista: 
 

 

Segundo a chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade, devido ao alto número de pessoas que precisam do medicamento, o ministro Carlos Fávaro está disposto a enfrentar as demandas atuais relacionadas à regulamentação do plantio.

Hoje, conforme dados do Anuário da Cannabis Medicinal de 2023, da Kaya Mind, cerca de 430 mil brasileiros já são pacientes de cannabis medicinal. Destes, 219 mil consomem produtos via importação, 114 mil por meio de associações, e 97 mil adquirem seus óleos nas farmácias.

Ainda segundo o anuário, considerando 23 condições médicas diferentes, 6,9 milhões de pacientes poderiam ser beneficiados pela terapia no Brasil.

No entanto, as iniciativas do MAPA, responsável pelo controle e regulamentação de produtos de origem animal e vegetal, esbarram na falta de regulamentação para o cultivo de cannabis no país.

 

Cannabis e cânhamo 


A cannabis, planta da família Cannabaceae, contém cerca de 400 substâncias químicas, sendo 60 combinações como canabinoides. Os dois mais conhecidos são o THC (tetrahidrocanabinol), principal responsável pelos efeitos psicoativos, e o CBD (canabidiol), que não apresenta essas propriedades.

Já o cânhamo é uma variedade da planta Cannabis, com baixo teor de THC, o que elimina seus efeitos psicotrópicos. Devido às suas fibras fortes e versáteis, o cânhamo é amplamente utilizado para fins industriais, sendo proprietário na produção de tecidos, papel, bioplásticos, materiais de construção e até alimentos.


O impasse com a Anvisa

 

Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede o cultivo de cannabis, conforme a Portaria 344/98, que regula substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Segundo Pedro Gabriel Lopes, advogado do Instituto Ficus, é necessária uma maior clareza quanto às normativas vigentes.

“A Anvisa deve alterar suas normas para permitir que o MAPA possa atuar”, afirma Lopes. O advogado lembra que a Anvisa já tomou uma decisão semelhante, permitindo o cultivo de sementes de papoula-dormideira (Papaver somniferum L.) para fins alimentares. “O cultivo dessa planta é proibido, mas, com um adendo à portaria, a Agência autoriza o seu cultivo”, explica Gabriel.

Porfírio ressalta que, pela legislação atual, todas as subespécies de cannabis são tratadas da mesma forma, sem distinção entre a planta com alto teor de THC e o cânhamo, que possui níveis do canabinoide inferiores ao permitido pelas autoridades competentes de cada país.

 

O potencial econômico do cânhamo

 

O Relatório Impacto Econômico da Cannabis, desenvolvido pela Kaya Mind e lançado em 2021, estimou que a venda de cânhamo no Brasil poderia atingir R$ 1,64 bilhão por safra no quarto ano de regulamentação, gerando cerca de R$ 330 milhões em impostos no mesmo período.

Devido à falta de regulamentação do cultivo, Porfírio alerta que o Brasil está “ficando para trás” em comparação com outros países. Em 2023, a Colômbia, onde o cultivo é regulamentado, exportou US$ 10,8 milhões (R$ 60,5 milhões) em produtos à base de cannabis, sendo US$ 3,4 milhões (R$ 19 milhões) destinados ao Brasil, conforme informações da ProColombia.

A CannTen, empresa do mercado farmacêutico brasileiro de cannabis medicinal, realiza toda sua produção fora do Brasil. “O IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) vem da Espanha, a tecnologia de extração de Israel, e a produção é feita na Suíça, já chegando ao Brasil como produto final”, explica José Almeida, diretor de Marketing, Vendas e Relacionamento Médico da empresa.

Para Almeida, a regulamentação abriria portas para investir e iniciar uma produção no Brasil, gerando empregos e redução de custos, mas a demora regulatória representa um impasse. “Vários fatores precisam ser analisados. Gostaríamos de estudar a implementação de uma fábrica que seguisse os critérios estabelecidos pela Anvisa para empresas estrangeiras, além de considerar o uso de culturas brasileiras”, comenta.

 

Movimentações em mais frentes

 

Além das discussões no âmbito da Anvisa, outros fatores podem levar à regulamentação do cultivo de cannabis no Brasil. O Projeto de Lei 5511/2023, de autoria da Senadora Mara Gabrilli, está em tramitação no Senado, sem perspectiva de votação. O projeto estabelece normas para o cultivo, produção, importação, exportação, comercialização e uso de cannabis medicinal e cânhamo industrial.

Na Câmara dos Deputados, o PL 399/2015, proposto pelo ex-deputado e atual governador de Sergipe, visa alterar a Lei 11.343 para permitir a comercialização de medicamentos à base de cannabis. “É pouco provável uma atuação imediata da Anvisa. O PL 399/2015 oferece uma abordagem completa quanto à regulamentação e é a saída mais segura para regular o cultivo e produção de cannabis no Brasil”, afirma Lopes.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou, em abril deste ano, uma audiência pública sobre o Incidente de Assunção de Competência 16 (IAC 16), que debate a possibilidade de concessão para importação e cultivo de cânhamo no Brasil. Embora o cenário seja favorável, ainda não há previsão de uma decisão.

Lopes conclui: “A regulamentação não depende apenas de um ator, mas sim de uma união de esforços entre os diversos setores.”