Cânhamo na construção de automóveis: uma alternativa do passado, presente e futuro

Em 1941, Henry Ford criou o primeiro carro ecológico da história; em 2017, Bruce Dietzen finalizou um projeto inovador e para o futuro, a Kia projeta uma linha de carros usando cânhamo e cogumelos

Publicada em 02/09/2024

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Por Bruno Vargas

Responsável por popularizar o uso de automóveis no mundo, Henry Ford criou, em 1941, o primeiro carro ecológico da história, o modelo Soybean Auto (carro de soja) — que, no entanto, nunca chegou a ser comercializado. De acordo com o Benson Ford Research Center, dedicado a preservar a memória de Ford, o modelo foi uma tentativa de combinar "os frutos da indústria com os da agricultura".

Ford criou laboratórios dedicados a encontrar usos industriais para plantas como soja, milho, trigo e cânhamo. A ideia de construir um carro de plástico feito a partir desses materiais não só cumpria o propósito de unir suas duas paixões, mas também tinha outros méritos, como destacar a segurança dos painéis de plástico, que, segundo Ford, tornavam o carro mais seguro do que os de aço tradicionais. Além disso, havia uma questão prática: com o início da Segunda Guerra Mundial na Europa, em 1939, houve uma "escassez de metais" no mundo.

O próprio Benson Ford Research Center reconhece que poucas informações foram preservadas sobre essa invenção original, que, no entanto, continua a despertar o interesse de muitas pessoas — especialmente agora, com tanta atenção dada às questões ambientais.

Uma reportagem do New York Times da época revelou que "um dos plásticos desenvolvidos pelos químicos da Ford é um material composto de 70% de fibra de celulose e 30% de aglutinante de resina". "A fibra celulósica é composta por 50% de fibras de pinho, 30% de palha, 10% de cânhamo e 10% de rami, material usado pelos antigos egípcios para as múmias", detalha o jornal.

 

Carro de cânhamo

 

Em 2017, Bruce Dietzen, ex-executivo da Dell, finalizou um projeto inovador com foco no meio ambiente: o carro esportivo Renew, com carroceria inteiramente feita de fibra de cânhamo. Inspirado por Henry Ford, que em 1941 criou um protótipo de veículo com bioplástico à base de cânhamo, Dietzen dedicou cinco anos de pesquisa para desenvolver um automóvel que combina sustentabilidade e desempenho.

O Renew é um carro com design clássico, lembrando os esportivos europeus dos anos 60, mas a grande inovação está em sua estrutura. A fibra de cânhamo utilizada na carroceria torna o veículo mais resistente que o aço e a fibra de vidro, além de ser uma alternativa sustentável. O processo de produção, quase artesanal, minimiza a emissão de gases poluentes, contrastando com a fabricação de carros convencionais, que é responsável por até 23% das emissões de carbono durante o ciclo de vida do veículo.

O cânhamo, planta da mesma família da maconha, possui menos de 0,4% de THC, o composto psicoativo, o que o diferencia da droga. Essa baixa concentração permite o uso industrial do cânhamo, que, além de sustentável, pode substituir diversos componentes plásticos em veículos, como estofos e capôs.

Dietzen acredita que o futuro da indústria automotiva está em materiais como o cânhamo, que pode ser utilizado para produzir carros mais leves e com menor pegada de carbono, especialmente em veículos elétricos. A Renew Sports Cars, empresa fundada por Dietzen, atende tanto a particulares quanto a empresas, com prazo de entrega de três meses e um preço base de 40.000 dólares.

O projeto Renew não só representa um avanço em termos de sustentabilidade, mas também aponta para uma revolução na maneira como encaramos a produção e o uso de materiais na indústria automotiva.

 

Assista a entrevista para a Ridiculous Rides onde Dietzen apresenta o carro 

 

 

Alternativa para um futuro sustentável 

 

Com o objetivo de reduzir as emissões de carbono a curto prazo e atingir a neutralidade de carbono em todas as suas operações até 2045, a Kia está utilizando materiais sustentáveis de ponta, como o cânhamo e componentes vegetais de cogumelos, em seus modelos conceituais EV3 e EV4.

A marca estuda implementar, em escala futura, uma iniciativa que incluirá 10 itens sustentáveis indispensáveis em seus veículos. Entre esses itens, destaca-se o bioplástico, produzido a partir de fontes de biomassa, como óleos vegetais, extrato de milho, serragem e cana-de-açúcar. O bioplástico é utilizado em componentes como painéis, consoles, pilares e acabamentos dos veículos. A Kia identificou o bio poliuretano (PU) como uma substituição ideal para o couro, pois o material incorpora componentes de origem vegetal, proporcionando suporte, amortecimento e durabilidade exemplares. Além disso, os carpetes dos veículos podem ser fabricados a partir de PET 100% reciclado, sendo possível que uma parte desse material seja proveniente de redes de pesca recicladas.

 

Modelos Kia

 

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Painel do modelo EV3. Imagem: Divulgação KIA

 

Para criar a cabine do Concept EV4, a equipe de design CFM (Cor, Material e Finalização) da Kia escolheu as fibras de cânhamo, destacando-se pelo seu perfil sustentável e funcionalidade. “O cânhamo é uma planta de rápido crescimento que requer recursos mínimos para ser cultivada”, explica Marília Biill, chefe da equipe de design da Kia.

Segundo ela, a sustentabilidade não é seu único diferencial. “Ele não é apenas altamente sustentável, mas também extremamente moldável, o que o torna um material muito versátil para trabalhar, além de realçar a cabine do conceito EV com sua bela cor rica”, complementa.

O modelo elétrico EV3, que a Kia promove como "uma potência em movimento", também se destaca pelo uso de materiais sustentáveis. "A equipe de design CFM da Kia utilizou uma variedade de materiais sustentáveis inovadores que reduzem o impacto ambiental dos veículos, fornecem maior liberdade de design e oferecem níveis sem precedentes de escolha de cores e acabamento", conforme trecho do material de divulgação.

De acordo com Marília Biill, o console do carro contará com o uso do micélio, uma parte vegetativa de um cogumelo. "O micélio combina excelente resistência com uma superfície extremamente macia", comenta. Segundo ela, o uso desse produto ainda está em estágio inicial, mas tem grande potencial para o futuro.

"Estamos trabalhando com parceiros para acelerar o desenvolvimento desse material. Um dia, ao cultivar nossos próprios materiais, seremos capazes de simplificar processos, adaptar formas e, o mais importante, estar mais próximos da natureza em sua essência", explica Biill.