O Sistema Endocanabinoide e o uso clínico veterinário: inovações e aplicações no Brasil

A urgência na criação de protocolos brasileiro para o uso de canabinoides na medicina veterinária

Publicada em 23/05/2024

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Por Thaís Castilho

A presença do sistema endocanabinoide em animais é o que explica os resultados promissores da aplicação da cannabis para tratamento de diferentes patologias tanto para pets, como para animais silvestres e de produção, entre eles suínos, aves e bovinos. 

 

Esse tema foi amplamente abordado por especialistas na área durante a terceira edição do Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal, que aconteceu no dia 23 de maio, durante o primeiro dia do evento na sala Elisaldo Carlini, no Expo Center Norte. 

 

O sistema endocanabinoide (SEC) é uma rede complexa de receptores e ligantes endógenos encontrados em todos os vertebrados, incluindo animais. Este sistema regula uma variedade de funções fisiológicas e patológicas, como dor, inflamação, apetite e humor. 

 

“Um sistema que está presente desde a concepção até a morte de todos os vertebrados. Algumas disfunções no SEC estão ligadas ao surgimento de patologias. Todos os animais de interesse veterinário possuem o SEC em seu organismo, são mais de 81 mil espécies, que é considerado de grande magnitude. O período mais ativo é no desenvolvimento embrionário, e por isso, esse sistema deveria obrigatoriamente, ser ensinado em todas as faculdades de saúde”, destaca o médico veterinário, João Lourenço Hasckel Gewehr.

 

Estudos recentes, como os que acontecem na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), tendo a frente o veterinário, médico e pesquisador Erick Amazonas, exploram o potencial terapêutico do sistema endocanabinoide em animais, estabelecendo protocolos inovadores que prometem transformar o cuidado animal no país.

 

“O uso de produtos com maior diversidade de compostos químicos da cannabis, ou seja, o óleo integral, sugere uma maior efetividade. Quanto menor a dosagem inicial, mais fácil chegar na dose ideal do paciente, ou seja, a dose homeostática. Por essa razão, não faz sentido sintetizar moléculas da planta, pois o uso do composto orgânico e integral é a melhor opção. Lembrando que a medicina veterinária tem que olhar o animal e não a doença, e a cannabis nos ensina isso”, enfatiza Dr. Érick Amazonas. 

 

Uso clínico em animais de produção

 

A aplicação de canabinoides em animais de produção, como bovinos, aves e suínos, é uma área emergente de interesse. Pesquisas recentes apontam que o uso dos canabinoides da planta podem melhorar o bem-estar desses animais, reduzindo o estresse e a incidência de doenças inflamatórias.

 

“O Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo, são mais de 200 milhões de bovinos produzidos por ano. O cânhamo tem uma riqueza  nutricional e terapêutica que pode atuar de forma efetiva na manutenção desse rebanho e de outros animais de produção, tanto para a parte alimentar, sem deixar nenhum tipo de resíduo no animal, como de cuidados clínicos. Na parte clínica ajuda como analgésico, anti-inflamatório, antioxidante, imunomoduladores, calmante, ou seja, ajuda na diminuição do estresse de animais confinados”, explica Katia Ferraro, professora da disciplina de endocanabinologia para os cursos de medicina, especializada em animais de grande porte.

 

Frangos que são alimentados com subproduto de cânhamo tem redução da mortalidade em até 10% dos animais, o mesmo se aplica para vacas produtoras de leite, que tem uma diminuição considerável de depressão e estresse. Por isso, as empresas que produzem animais para abate, devem se atentar aos benefícios da aplicação dos subprodutos do cânhamo para alimentação dos animais. 

 

O protocolo brasileiro para uso veterinário de canabinoides

 

Erik Amazonas tem sido um defensor da criação de um protocolo brasileiro para o uso de canabinoides em medicina veterinária. Segundo ele, a regulamentação é crucial para garantir a segurança e eficácia dos tratamentos.

 

A elaboração de um protocolo deve incluir diretrizes sobre dosagem, administração e monitoramento de efeitos, proporcionando uma base científica para o uso clínico de canabinoides em animais.

 

Uso em animais silvestres

 

O tratamento de animais silvestres com canabinoides é uma área ainda pouco explorada, mas com grande potencial. Joshua Polanco, especialista em fauna silvestre, conduziu estudos preliminares que sugerem que os compostos químicos da cannabis podem ser eficazes no tratamento de estresse e traumas em animais resgatados. 

 

"A molécula do THC tem apresentado bons resultados em diversas patologias e para diferentes tipos de animais, existe um preconceito em relação ao THC, mas é uma molécula efetiva. Assim como o CBD não é o único protagonista, o THC não é o vilão. O ideal é um produto composto de diversos canabinoides, pois alcança resultados eficientes em uma maior amplitude de diferentes patologias. É muito importante considerar o tratamento individualizado dos pacientes”, destaca Joshua Polanco.

 

Casos de sucesso e perspectivas futuras

 

Os relatos de casos de sucesso são encorajadores. O acompanhamento clínico de animais em tratamento com cannabis apontam para melhorias significativas em cães com epilepsia refratária, redução do estresse em bovinos durante o transporte, e uma recuperação acelerada em aves resgatadas com ferimentos graves.

 

“Um dos melhores resultados é a indicação para dor. Sempre vejo resultados muito bons, mas a cannabis ajuda a modular também o apetite para pacientes oncológicos e o comportamento, como a ansiedade. É preciso ter cautela com a administração e a dosagem, além de seguir acompanhando de perto. Os animais são mais sensíveis ao THC, mas esse fitocanabinóide também traz bons resultados, por isso a necessidade de entender esse sistema e sua modulação através da cannabis”, explica João Lourenço Hasckel Gewehr.

 

O futuro da medicina veterinária canábica no Brasil parece promissor, mas depende de uma combinação de pesquisa contínua, regulamentação adequada e educação dos profissionais veterinários. O sistema endocanabinoide e o uso de canabinoides na medicina veterinária representam uma revolução potencial no cuidado animal. O Brasil está na vanguarda dessa inovação, graças aos esforços de pesquisadores da área. 

 

O desenvolvimento de protocolos específicos e a regulamentação adequada serão essenciais para transformar essas promessas em práticas clínicas seguras e eficazes, beneficiando tanto os animais quanto a sociedade como um todo.

“Enquanto, como médicos, não estivermos cientes da magnitude desse sistema que é tão vital, pois não há saúde plena do organismo sem um sistema endocanabinoide funcionando plenamente, estaremos falhando enquanto profissionais. Ainda que o corpo produza os endocanabinoides que conectam e ativam esse sistema, os fitocanabinoides da cannabis desempenham muito bem essa conexão, promovendo saúde através da regulação desse sistema”, defende João Lourenço Hasckel Gewehr.

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