O acerto da ANVISA ao conduzir a regulação da cannabis medicinal no Brasil e a necessidade de ação
O país tem uma boa regulamentação para o acesso à cannabis medicinal, mas com grandes oportunidades de aprimoramento
Publicada em 23/10/2024
Por Joaquim Castro
Pode ser desconhecido para muitos, mas o Brasil possui um dos sistemas de acesso à cannabis medicinal mais bem regulados e funcionais no mundo. Evidentemente com imensas oportunidades de melhoria. A ANVISA foi muito feliz quando, ao mesmo tempo, previu o acesso à produtos vendidos em farmácias, bem como respeitou a responsabilidade e liberdade médica e a do paciente ao permitir que ambos, em comum e livre acordo, possam avaliar o acesso a uma completa gama de produtos inovadores à base de cannabis disponíveis mundo afora.
Falamos aqui da Resolução de Diretoria Colegiada da ANVISA (“RDC”) 327/2022, que regula como um produto pode estar nas farmácias brasileiras, e da RDC 660/2019, a qual regula como o médico pode prescrever e o paciente adquirir produtos disponíveis no mundo.
Estima-se que mais de 400 mil pacientes já importaram produtos à base de cannabis no Brasil. Em número menor, mas relevante, há quem adquiriu diretamente de farmácias ou de associações.
Ao dar a oportunidade para centenas de milhares de brasileiros adquirirem produtos de cannabis importados, a ANVISA criou um experimento social e gerou evidências úteis para sua evolução regulatória no tema cannabis. Ainda que o tenha feito não intencionalmente.
É a RDC 660 que expandiu, e ainda expande, a base de pacientes beneficiados pela cannabis medicinal. É graças a ela que os médicos que se dedicam ao tema conseguem empregar uma ampla gama de formulações com distintos canabinoides e que geram melhoria na qualidade de vida do paciente. Formulações que não estão disponíveis nas farmácias nacionais. A RDC 660 mantém os médicos brasileiros com acesso ao fino do arsenal terapêutico disponível no mundo em termos de produtos à base de cannabis. E produtos de altíssima qualidade.
Se olharmos os dados extraídos desse experimento social, passados quase 10 anos desde seu início com a RDC 17/2005, o saldo é amplamente positivo para as famílias e pacientes brasileiros. É zero, ou ao menos desconhecido, qualquer risco à saúde pública que tenha se materializado devido à compra de produtos oriundos da 660. E estamos falando de milhares de pacientes utilizando esses produtos. Muitos com longo histórico. Ou seja, o tamanho amostral desse experimento é gigante e os riscos mostraram-se irrisórios com uma grande confiança estatística.
Entretanto, parece que já passou da hora da ANVISA rever a RDC 660 para incluir parâmetros mínimos quanto à exigência de qualidade na manufatura dos produtos importados. Com o crescimento do mercado novos players foram atraídos e os riscos podem aumentar. Sendo importante uma atuação regulatória. Hoje, estima-se que já entraram no Brasil mais de 400 marcas distintas. É justa a crítica de quem defende que a ANVISA poderia elevar a régua e elevar sua diligência ao aprovar novas marcas. Em fato já o vem fazendo, porém ainda timidamente e de forma ainda não totalmente transparente.
A ampla quantidade de produtos acessíveis via importação permite que o regulador possa estabelecer padrões de exigência de controle de qualidade ao produto importado sem colocar em risco a saúde e bem-estar de milhares de pacientes. Não há qualquer demanda do paciente e do médico por uma tutela do Estado que ao final tirará a exitosa liberdade de escolha técnica feita no consultório. A RDC 660 criou o esboço de uma indústria de cannabis nacional no Brasil.
A RDC 660 trouxe qualidade de vida para milhares de pacientes. Foi graças à identificação de demanda originada na 660 que diversos players hoje estão na 327. A 660 respeita a liberdade do médico e paciente. O modelo atual é exitoso e precisa de apenas ajustes finos.
O setor precisa dessa discussão urgentemente e de forma transparente. A ANVISA acertou até aqui no modelo regulatório. É papel dela encontrar o equilíbrio entre o acesso de pacientes aos produtos que lhes causam melhorias de saúde e, ao mesmo tempo, desenhar regras que preservem os princípios da qualidade e segurança dos produtos, ponderando para o aspecto de serem produtos não-registrados e não disponíveis nas farmácias brasileiras.
*O artigo de opinião não reflete necessariamente o posicionamento da plataforma Sechat.