Indústria têxtil: Chegou a vez do cânhamo

Fibra de cânhamo ganha destaque em novas coleções internacionais da empresa Allcost, podendo contribuir para o futuro da moda ecológica

Publicada em 08/10/2024

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Por Bruno Vargas

Diferente de países europeus, asiáticos e de outros continentes, o Brasil ainda não regulamenta a produção e comercialização industrial de cânhamo em seu território.

De 2015 a 2022, a produção de cânhamo na Europa aumentou 84,3%, passando de 97.130 toneladas para 179.020 toneladas, de acordo com dados da União Europeia. Na China, as províncias de Heilongjiang (norte) e Yunnan (sul) são responsáveis ​​por 70% da produção global de fibras de cânhamo.

Segundo Ana Paula Porfírio, Chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a demanda global por fibras de cânhamo é muito alta, e, devido à falta de regulamentação no Brasil, o país não pode se posicionar nesse mercado. “Nossa principal parceira, a China, não está conseguindo produzir todo o cânhamo que consome”, explica Ana Paula.

“Sabemos que a China está procurando alternativas. Ainda não há um diálogo formal, pois a produção não é legitimada em nosso território. Temos apenas projeções de mercado e relatos de produtores de outros países. No entanto, a produção para fins têxteis é algo urgente.”

 

Artigos feitos 100% de cânhamo

 

Há cerca de quatro anos, a empresa têxtil de Protugal, Allcost fez um teste com produtos à base de cânhamo, mas a experiência não evoluiu. “Imagino que o mercado europeu não estava pronto para esse produto na época. Não houve grande repercussão”, comenta Maria Aurélia Faria, designer da empresa.

Em 2024, a Allcost voltou a investir na cannabis e, em setembro, lançou uma coleção de artigos de cama feitos 100% com fibra de cânhamo, considerada pela empresa como “a fibra natural de origem vegetal mais promissora do mercado”. A coleção “Primavera/Verão 2025”, com previsão de lançamento para o início do ano que vem, inclui também produtos de banho feitos com uma mistura de algodão reciclado e fibras recicladas eco-made, provenientes de garrafas plásticas PET.

 

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Artigos para cama feitos 100% de cânhamo. Imagem: Allcost

 

No final de setembro, a Allcost participou de um grande evento em Nova York, onde os produtos derivados da cannabis fizeram grande sucesso. “Acreditamos que é apenas uma questão de tempo até a transição para o cânhamo. Continuaremos trabalhando com essa fibra, seja 100% ou em combinação com outras, pois essa é a nossa aposta”, diz Angela Cadeia, diretora de vendas para exportação da Allcost.

 

Cânhamo e outras fibras

 

Em março de 2025, a empresa lançará uma linha de produtos feitos com cânhamo e liocel (ou lyocell), um tecido produzido a partir da celulose da madeira. “No mercado têxtil, o liocel é uma fibra muito útil, e o cânhamo está ganhando força e espaço. É o melhor dos mundos da sustentabilidade”, afirma Aurélia.

 

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Maria Aurélia Faria, designer da Allcost

 

Ela explica que a combinação é benéfica porque o liocel é um material fino e sedoso, enquanto o cânhamo tem características mais rústicas e pesadas, formando um tecido resistente e, ao mesmo tempo, confortável. Alguns exemplares foram apresentados em Nova York e “fizeram mais sucesso do que os produtos prontos de algodão e lã”, comenta o designer. “As pessoas adoraram a combinação das duas fibras”, conclui.

Para Cadeia, o mercado americano e europeu ainda não está completamente maduro para a particularidade de uma fibra cara e já consolidada com o cânhamo. “Nossa insistência no cânhamo está relacionada à nossa vocação para a sustentabilidade e inovação. Também desejamos educar o mercado nessa direção.”

 

Sustentabilidade

 

Segundo Aurélia, apesar de o cânhamo ser considerado um tecido “rústico”, seu manejo fácil permite o bom desenvolvimento dos produtos. Após a separação das fibras durante a maceração, são formados fios longos e contínuos que, após o acabamento, resultam em um produto durável e resistente, tornando-se cada vez mais macio e brilhante com o uso.

A União Europeia destaca alguns benefícios ambientais do cânhamo:

Armazenamento de carbono: um hectare cultivado com cânhamo armazena entre 9 e 15 toneladas de CO2, equivalente à quantidade sequestrada por uma floresta jovem, com a diferença de que o cânhamo cresce em apenas cinco meses.

Quebra do ciclo de doenças: o cânhamo ajuda a interromper o ciclo de doenças quando utilizado na rotação de culturas. Além disso, impede o crescimento de ervas benéficas devido ao seu rápido desenvolvimento e à sua capacidade de criar sombra.

Prevenção da erosão do solo: as folhas densas de cânhamo formam uma cobertura natural, reduzindo a perda de água e protegendo o solo contra a erosão. O cânhamo cobre o solo em apenas três semanas após a germinação.

Biodiversidade: o cânhamo floresce entre julho e setembro, período em que há escassez de pólen de outras culturas. Ele produz grandes quantidades de pólen, além de fornecer abrigo para aves, enquanto suas sementes servem de alimento para animais.

Baixo uso de pesticidas: o cânhamo é resistente a pragas devido à ausência de predadores naturais, o que permite evitar o uso de inseticidas, herbicidas e fungicidas na maioria dos casos.