Autoagressão e convulsões não são mais realidade para paciente canábico diagnosticado com autismo severo

Paciente canábico a cerca de cinco anos, Rafael já chegou a usar capacete para se proteger de autoagressões e hoje ajuda na produção de seu medicamento plantado e produzido em casa

Publicada em 22/08/2024

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Por Bruno Vargas

Em 2017, o pequeno Rafael, de apenas dois anos e oito meses, foi diagnosticado com autismo severo de nível 3. Por conta da patologia, sua psiquiatra prescreveu alguns medicamentos para o tratamento do menino. “Eu, leiga, acreditei e mediquei meu filho”, comenta Fernanda Athagami Lima. Três dias depois, Rafael teve sua primeira convulsão, o que foi a primeira manifestação de epilepsia desencadeada pelos medicamentos.

Durante três anos, o menino usou várias medicações alopáticas, chegando a tomar cinco remédios diferentes para controlar a epilepsia, a hiperatividade e a autoagressão. “Ele estava sempre procurando um lugar para se bater. As autoagressões eram tantas que precisávamos utilizar um capacete de proteção”, relata a mãe. Além disso, o fígado, o pâncreas e outros órgãos de Rafael começaram a apresentar complicações.

Junto a todas as questões médicas, Fernanda sofria com a falta de amparo social e profissional. “Chegamos a um momento crítico. Fui convidada a me retirar da escola, da terapia, ninguém aceitava meu filho”, comenta.

 

Jardineiros como solução

 

Em meio ao caos, Fernanda descobriu a história de outra mãe atípica, Cidinha Carvalho, fundadora da Associação de Cannabis e Saúde (Cultive). “Sete anos atrás ainda não existia apoio médico. Fui atrás, mas não consegui nenhum auxílio. As mães e os jardineiros me ajudaram”, lembra Fernanda.

“Eu comecei por conta própria. Tirei todas as medicações convencionais e iniciei o tratamento com a cannabis. Dez dias depois, o comportamento de Rafael já era outro”, conta a mãe. Segundo ela, o capacete foi deixado de lado, a sensibilidade à dor voltou e a autoagressão parou.

Para cessar as crises de epilepsia, foi utilizado um óleo com altas doses de THC (tetrahidrocanabinol), que depois foi substituído por um com maiores concentrações de CBD (canabidiol). Há cerca de um ano, Rafael usa um óleo Full Spectrum, com 1% de THC.

 

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Rafael junto a uma planta de cannabis para fins medicinais. Imagem: Fernanda Athagami Lima

 

Após muita busca, Fernanda encontrou o Movimento Mulheres e Mães Jardineiras, criado pela psiquiatra Dra. Eliane Nunes, que passou a acompanhar o tratamento de Rafael. O Movimento foi lançado durante o Curso de Cannabis Terapêutica do Padre Ticão, um momento importante na vida de Fernanda.

“A gente que participou do curso se uniu e se protegeu. Naquela época, era muito mais difícil ser uma mãe que dá cannabis para o filho. Lembro que o Padre Ticão dizia: ‘Se alguma mãe for presa, vamos até a delegacia e tiramos ela de lá’”, recorda a jardineira.

 

Incerteza jurídica

 

Depois de muitos cursos de plantio, conversas com agrônomos e jardineiros, Fernanda começou a plantar maconha ilegalmente para produzir a medicação de seu filho. Hoje, há mais de quatro anos, Fernanda possui um Habeas Corpus para cultivo de cannabis medicinal.

Conquistado em 2019, o HC gerou muito medo e incerteza em Fernanda. “Quando entrei com a documentação, me perguntei se valia mesmo o risco. Fiquei com dúvidas, não existiam muitos outros casos. Mas a cannabis é o que salva meu filho, minha família; não tem como voltar atrás”, relembra Fernanda.

Atualmente, a mãe entende que, mesmo a medicação sendo para o seu filho, a melhora na qualidade de vida é um benefício para toda a família. “Ele não dormia, e a gente não dormia junto. Era uma preocupação sem fim. Agora, a autoagressão parou, o nervosismo e os gritos viraram coisas muito pontuais. Estamos bem”, diz Fernanda.

 

Amor pela terra

 

“Eu gosto de plantar, cultivar, testar novas extrações, manejos e genéticas. Essa liberdade da cannabis é incrível. Meu filho também participa do processo de produção do seu óleo: rega as plantas, gosta de podar as flores; é terapêutico para toda a família”, comenta a jardineira.

Com 13 anos, Rafael está entrando na adolescência. “Já estou estudando novas genéticas para ajudar meu filho nessa nova fase”, ressalta Fernanda, que finaliza lembrando o que a cannabis significa para ela. “Para mim, é uma planta como qualquer outra: boldo, hortelã, qualquer erva. Por que não posso plantar meu pé de maconha em paz? Deveria ser direito das pessoas poder escolher a medicação que lhes convém”, destaca a mãe de Rafael.