Como a cannabis tem ajudado a tratar milhares de pacientes no Brasil

Descubra como o uso medicinal da cannabis tem revolucionado a vida de milhares de pacientes no Brasil, a partir da emocionante história de Mateus Castelazi e sua mãe, Cláudia Marin Castelazi.

Publicada em 29/01/2025

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Por Carol Alencar

Há algumas regras na vida em que nos colocamos na frequência do desespero, porém, nada é mais desafiador do que ver um filho doente. A questão é que, desde que o mundo é mundo, a missão do maternar é árdua e sim, daremos a nossa vida para sanar a dor dos nossos filhos. 


Conversamos com Claudia Marin Castelazi, mãe de Mateus Castelazi, um adolescente de 17 anos que só chegou até aqui por muita luta de sua mãe e familiares.


Mateus nasceu com um desconforto respiratório, mas seu primeiro grande desafio veio aos 39 dias de vida, quando começou a apresentar convulsões frequentes. O diagnóstico: Síndrome de West, uma forma rara e grave de epilepsia de difícil controle. Segundo Cláudia, "as crises convulsivas aumentavam a cada dia, chegando a mais de 80 episódios diários". Além das crises, a condição trouxe sequelas severas, como paralisia e dificuldades para deglutir, além de infecções constantes, como pneumonias recorrentes.

 

 

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Mateus Castelazi,  17 anos, diagnósticado com Síndrome de West | Imagem: arquivo pessoal

 


Por 10 anos, Cláudia recorreu à medicina convencional, submetendo Mateus a tratamentos alopáticos intensos e até a duas cirurgias de lobectomia frontal, que removeram parte de sua massa encefálica, porém sem resultados satisfatórios. 


Foi apenas ao conhecer uma matéria sobre o canabidiol (CBD) que Cláudia vislumbrou uma nova esperança. “Eu não aguentava mais ver meu filho sofrer com aquelas convulsões e consegui uma seringa do CBD, o que aumentou a sua imunidade e então eu vi que, mesmo sem acesso fácil, precisava ir atrás, eu não podia mais esperar e nem meu filho”, contou.


Inicialmente, o custo era proibitivo – cerca de R$ 2 mil por seringa, com um consumo mensal de três unidades. A burocracia para obtenção do óleo através do Estado tornou-se mais um obstáculo, mas Cláudia transformou sua dor em ativismo, liderando batalhas judiciais e campanhas midiáticas que garantiram o acesso não apenas para Mateus, mas também para outras 12 crianças.


A luta da mãe de Mateus se transformou em sororidade com outras mães, e quanto eu cito o “maternar” no primeiro parágrafo desse texto, eu falo de substantivos femininos que somados à causa, fazem parte da vitória até agora não só do querido Mateus, como de muitos outros pacientes que também nasceram de alguma mãe.


O impacto na qualidade de vida


O tratamento com cannabis medicinal mudou drasticamente a vida de Mateus. A introdução do óleo full spectrum – que utiliza toda a gama de fitocanabinoides da planta – foi um divisor de águas. As convulsões saíram de 80 para 4/mês e na época, Cláudia começou a ver uma luz no fim daquele túnel obscuro que não a deixava dormir tranquilamente. 

 

 

Arquivo Pessoal
Mateus aproveita um dia no parque ao lado da família | Imagem: arquivo pessoal 

 


“Quando você sai de um estágio como era, cessar as crises já é muita coisa, muito progresso. O Mateus passou de uma criança apática e constantemente internada para outra realidade. As crises convulsivas zeraram em muitos momentos e sua imunidade aumentou. Ele não sabe mais o que é estar em um hospital”, ressalta a mãe.


Essa mudança, entretanto, veio acompanhada de alguns desafios. Cláudia enfrentou o preconceito de parte da sociedade e de profissionais da saúde, além da resistência inicial ao uso de um produto derivado da cannabis. Mas sua argumentação era clara: “Se eu podia dar remédios que traziam riscos graves, por que não uma solução natural? Se fosse hoje, por exemplo, eu nem levaria Mateus para a cirurgia, eu teria dado cannabis medicinal a ele com gosto”.


O contexto brasileiro


De acordo com a Kaya Mind, empresa especializada em dados do mercado canábico, o número de pacientes que utilizam cannabis medicinal no Brasil ultrapassa 670 mil. As principais patologias tratadas incluem epilepsia, dores crônicas, ansiedade, autismo e Parkinson. 


Ainda segundo pesquisa da Kaya Mind, a região sudeste ainda concentra a maior parte dos pacientes de cannabis medicinal no Brasil e o perfil predominante é de mulheres em torno dos 40 anos, buscando alternativas seguras para condições como saúde mental, dor crônica e doenças neurodegenerativas.
Dados de 2024 revelam que, até o momento, as associações (o ano encerrou com mais de 200 cadastradas) continuam sendo uma alternativa essencial aos pacientes que buscam a cannabis medicinal no Brasil, principalmente por oferecer acolhimento e suporte com preços acessíveis. 


Um levantamento da Close-UP International mostra que, atualmente, mais de 48 mil médicos brasileiros estão habilitados a prescrever cannabis, um salto significativo em comparação a anos anteriores, porém, ainda precisamos aumentar gradativamente essa lista, afinal, temos 575.930 mil médicos cadastrados no Conselho Federal de Medicina (CFM) em nosso país.


Ainda segundo a pesquisa da Close-UP, realizada em setembro de 2024, os médicos que prescreveram a cannabis medicinal no ano anterior, seguiram ampliando a prescrição em seus pacientes, justamente por sentirem a mudança que o medicamento tem em cada paciente.


Das prescrições de cannabis medicinal, 27,5% são neurológicas, 26,4% psiquiátricas, 10,5% clínica geral, 6,5% da pediatria e 29,1% são de outras especialidades da área da medicina.


Já sobre o mercado de anticonvulsivantes, também conhecidos como antiepilépticos, que remete ao caso do Mateus, a Close-UP avaliou que o Brasil possui muitos médicos testando a cannabis medicinal, porém, ainda há uma oportunidade de ampliação no uso. Cerca de 18 mil novos médicos prescritores de produtos sintéticos no mercado de anticonvulsivantes equilibram a prescrição entre 89,9% de medicamentos sintéticos e incluem 2 vezes mais, derivados de cannabis medicinal em seus receituários.


 

Arquivo Pessoal
Neurologista pediátrica Beatriz Milani | Imagem: arquivo pessoal 

Em entrevista ao Sechat, Beatriz Milani, especialista em neurologia pediátrica, enfatiza a importância da cannabis no controle de condições como a Síndrome de West. “O CBD e outros fitocanabinoides podem ajudar a reduzir a frequência e a intensidade das crises convulsivas, além de proporcionar melhorias significativas na qualidade de vida, tanto do paciente quanto da família.” No entanto, a médica alerta: “ainda enfrentamos barreiras culturais e burocráticas que limitam o acesso de muitos pacientes”. 


Barreiras e avanços


Embora a cannabis medicinal tenha ganhado espaço no Brasil, os obstáculos permanecem. O preconceito é um dos maiores desafios, conforme aponta Cláudia: “O médico é a primeira linha, mas muitos ainda resistem à prescrição. Essa resistência prejudica famílias que poderiam se beneficiar desse tratamento desde o início”. 
A regulamentação avançou com a inclusão da cannabis na farmacopeia brasileira, mas o acesso ao tratamento ainda é desigual. A batalha (outro substantivo feminino) de Cláudia, somou-se à criação da Associação Canábica Maria Flor, em Marília/SP, onde é vice-presidente atualmente e atende mais de 11 mil pacientes de todo o país.


Muitos dependem de associações, como a Maria Flor, que fornece óleo medicinal para pacientes devidamente cadastrados. Para Cláudia, a possibilidade de cultivo próprio, por meio de habeas corpus, é um passo importante, mas insuficiente: “Nós, mães, precisamos de mais apoio para produzir ou adquirir o óleo de forma acessível e segura. Além do mais, o preparo do óleo deve ser um quesito fundamental para o bom resultado. É importante tratar o solo e monitorar o cuidado com a planta, quanto mais natural for, melhor”.


Qualidade de Vida e Esperança

 

Quando pergunto se a cannabis medicinal foi a "cura" que permitiu que Mateus estivesse entre nós até hoje, Cláudia responde: “A cura, no sentido literal, foi inviável desde que ele teve mais de 25% da massa encefálica retirada ainda bebê. Mas eu diria que a cannabis medicinal proporciona qualidade de vida. E, se tivesse sido a primeira opção, talvez eu pudesse usar a palavra cura com mais leveza”.


Beatriz Milani também ressalta que um dos maiores benefícios da cannabis medicinal é justamente a melhora na qualidade de vida, frequentemente acompanhada por uma redução nos efeitos colaterais associados a tratamentos tradicionais. Além disso, formatos como o óleo permitem uma titulação mais segura da dose, ajustando-a gradualmente em busca da resposta terapêutica ideal.


Ela disse ainda que mesmo sendo especialista em dor crônica, enfrentou os próprios desafios ao lidar com condições como endometriose, fibromialgia e retocolite ulcerativa. “O uso de produtos à base de cannabis medicinal transformou minha experiência, não apenas como médica, mas também como paciente. Essa vivência pessoal reforçou minha crença no potencial terapêutico dessa terapia, despertando em mim o desejo de aprofundar meus estudos sobre o tema. Hoje, compreendo ainda mais profundamente seus benefícios no alívio da dor, no controle de sintomas refratários e na promoção da qualidade de vida”, finalizou.


Cláudia, a mulher, mãe e ativista canábica vê no óleo medicinal uma forma de preservar a saúde e bem-estar de seu filho e deixa um conselho para outras famílias: “Sempre considerem a possibilidade de tratamentos naturais e, se puderem, coloquem a cannabis como primeira opção. Ela mudou a vida do meu filho e pode mudar a de tantos outros”.


Com o aumento da conscientização e da aceitação, aliado ao suporte de associações e profissionais comprometidos, o Brasil avança em direção a um futuro mais inclusivo e acessível no campo da cannabis medicinal. Histórias como a de Cláudia e Mateus continuam sendo combustível para essa revolução silenciosa que transforma dor em esperança.