Para dizer que não falei das flores de cannabis para uso medicinal

Afinal de contas, a importação de flores de cannabis para uso medicinal será ou não proibida pela Anvisa?

Publicado em 01/01/1970
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Uma discussão que tem ocupado a centralidade nas melhores rodas de conversas – de diversos  segmentos e players interessados no fortalecimento da cannabis medicinal no Brasil – tem sido  a importação de flores da planta e, não diferente à trajetória da inserção dos extratos para fins medicinais, o acesso às flores também tem suscitado o tom polêmico e indagações sobre o  respaldo do regulatório para os pacientes.

 

Faz-se necessário lembrar que a utilização de produto de cannabis in natura está proibida pela  ANVISA (RDC 327/2019 artigo 10 § 6º), uma vez que não há, até o momento, segurança  sanitária para o uso, sendo da agência a competência legal para regular o que potencialmente poderá trazer risco à saúde pública.

 

A resposta das autoridades sanitárias está na pesquisa clínica, como esteio de validação quanto à segurança de uso e acima de tudo, um vetor estratégico para o desenvolvimento do setor da saúde.

 

É na pesquisa clínica que a sociedade se apoia para o preceito da responsabilidade solidária entre governo, instituições de ensino e pesquisa, o setor produtivo e demais interessados em disponibilizar para a população qualquer alternativa terapêutica, assim como para o  desenvolvimento de novas tecnologias com vistas à melhoria da qualidade de vida da população.

 

Entretanto, como definido nas disposições legais dos conselhos de categoria e demais legislações vigentes para a atuação dos profissionais habilitados a prescrever, fica a cargo do  prescritor e do paciente a responsabilidade do uso das flores.  

 

Resta, contudo, uma questão: esse fundamento é suficiente para as grandes questões que  envolvem acesso a produtos de qualidade, eficazes e seguros?  

 

É indispensável um olhar sistêmico que considere o envelhecimento da população, a  persistência de desigualdades sociais – que se refletem na qualidade de vida e da saúde – a necessidade de otimizar os recursos financeiros disponíveis para a saúde, no enfrentamento à  violência, os acidentes e uso de álcool e outras drogas.  

 

A sociedade é um organismo vivo e complexo e, portanto, tem demandas como a pauta de avanços na independência tecnológica, no esforço para incrementar a exportação e fortalecimento econômico do país. Estas pautas continuam sem solução e apontam para um senso coletivo “de que tudo pode quando utilizado para contribuir de alguma forma para a saúde da população”.  

 

Entretanto, o ambiente regulatório não funciona e não se orienta por esta regra desvinculada do contexto social complexo e diverso.  

 

A disposição regulatória que permite acesso a medicamentos/produtos de cannabis não registrados no Brasil, se dá pela modalidade de importação individual, e essa é uma disposição legal vigente e regulada pela ANVISA.  

 

Até aqui nenhuma novidade, mas a crescente importância dos eminentes agravos resultantes ou associados à importação de flores para uso, conforme as redes sociais – uso adulto – que no meu entendimento configura uma burla ao sistema regulatório, desrespeitando a legislação nacional para o controle do uso de drogas. Reitero a advertência de diversos médicos, profissionais prescritores respeitados que argumentam sobre possíveis danos à saúde pública, tendo novamente a fundamentação e apelo para a questão da segurança dos pacientes e o aporte da pesquisa clínica.  

 

E onde está a redução de risco à saúde? Na Constituição de 1988 (art.196) e na obrigação e competência legal da ANVISA em cumprir esse critério constitucional, além de todas as  legislações sanitárias.  

 

Importações de flores de cannabis

Se hoje a importação de flores, se dá por um ato regulatório – RDC 660/2020, que atualmente cumpre no seu conteúdo uma Decisão Judicial do Processo (Ação Civil Pública nº 0090670- 16.2014.4.01.3400), portanto limitada a duas obrigações que não estão sob a governabilidade da autoridade sanitária, uma judicial e outra de categorias profissionais habilitadas a prescrever, quem pode então resolver essa questão?  

 

Como solução para o caos instalado com a panaceia da importação de flores da cannabis,  espera-se que o Ministério Público Federal, autor da Ação Civil Pública contra a União e Agência Nacional de Vigilância Sanitária, encontrem, com os réus, a melhor solução jurídica, amparada em pesquisas clínicas.  

 

Creio ainda que alguma outra alternativa mais célere, por parte das autoridades competentes ligadas ao tema, seja adotada para a solução aos potenciais agravos à saúde de pacientes e ao sistema de saúde pública. Esta situação resvala no desrespeito gritante ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e a população têm o direito constitucional de ser devidamente informada sobre a diferença entre produtos de cannabis produzidos com segurança, dentro de padrões sanitários respaldados por pesquisas clínicas e o uso de partes da planta à revelia de orientações terapêuticas de segurança. E você o que pensa disso?