Mercado internacional de cannabis: novas tendências

Entenda como funciona as autorizações sanitárias de cannabis pelo mundo

Publicado em 03/03/2024
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O mercado da cannabis medicinal cresce cada vez mais em países que regulamentam o seu uso, porém, há preocupação com a qualidade desses produtos fabricados. Isso porque há cada vez mais itens sendo lançados no mercado, mas produzidos sob padrões diferentes (baseados nos padrões de boas práticas de fabricação de cada país), o que de certa forma, coloca em dúvida a qualidade dessas mercadorias.  

É importante destacar que não estou aqui colocando em julgamento os padrões de produção de cada país, porém, devemos admitir que cada um tem a sua soberania para estipular quais serão os padrões de produção de produtos à base de cannabis. O que é bem diferente.

Neste sentido, como muitos países ainda não possuem regulamentações para o cultivo de cannabis, mas sim para a sua venda para fins medicinais, há necessidade de estabelecer um padrão farmacêutico a fim de garantir alta qualidade.

A título de informação, boas práticas de fabricação (Good Manufactures Pratices -GMP) é um sistema para garantir que os produtos sejam produzidos e controlados de forma consistente de acordo com padrões estipulados. Foi concebido para minimizar os riscos envolvidos em qualquer produção farmacêutica que não possam ser eliminados através do teste do produto final. Para as etapas iniciais que ocorrem no campo são aplicáveis as normas de Boas Práticas Agrícolas e de Coleta para matérias-primas de origem vegetal (GACP). As GMP são aplicáveis a outras etapas de corte e secagem.

A União Europeia, por ser um mercado grande, com destaque para a Alemanha, exige que os produtos só possam ser distribuídos no mercado europeu se possuírem o certificado GMP da UE.

A prescrição de cannabis medicinal é permitida na Alemanha desde 2017, causando a necessidade de os produtores fornecerem aos farmacêuticos e médicos a droga recentemente legalizada. Além disso, cada vez mais países em todo o mundo estão seguindo Alemanha, introduzindo programas para legalizar a cannabis para uso médico. Mas o que se qualifica como cannabis de qualidade medicinal?  

A legislatura nacional alemã expandiu as opções para a prescrição de produtos medicinais de cannabis, aprovando um projeto para alterar disposições da Lei de Estupefacientes e outros regulamentos. Estes produtos, no entanto, devem estar em conformidade com as normas e relevantes requisitos estabelecidos na Lei de Medicamentos e Entorpecentes, incluindo GACP/GMP e GDP. Portanto, o BfArM (o Federal Instituto de Drogas e Dispositivos Médicos da Alemanha - que é a maior autoridade de aprovação de medicamentos na Europa) assumiu novas responsabilidades ao estabelecer a Agência Cannabis.  

Esta agência tem como objetivo ajudar a garantir suprimentos de cannabis de qualidade médica. Ao contrário do AGES na Áustria, porém, onde o cultivo de medicamentos à base da planta já estava estabelecido, a cannabis não é cultivada pelo próprio BfArM, mas por empresas comissionadas. Cannabis não é destinado a ser armazenado diretamente no BfArM durante qualquer fase do processo de compra, colheita ou distribuição.  

Estas etapas serão realizadas por produtores relevantes ou outras empresas contratadas (ou seja, fornecedores, importadores). Assim, a agência gerencia e monitora o cultivo, colheita, processamento, garantia de qualidade, armazenamento, embalagem e distribuição de cannabis para atacadistas, farmacêuticos ou fabricantes.

As inspeções de BfArM são responsáveis pela emissão de licenças de fabricação e importação ou “Certificados de BfArM”. Assim, realizarão inspeções nas instalações dos fabricantes que solicitam esses certificados e licenças. Resumindo:


- A Agência Cannabis é responsável por garantir que apenas cannabis de grau médico é fornecida;

 

- Os requisitos relevantes com base na legislação subjacente estrutura (incluindo Farmacopeias) e as diretrizes correspondentes de BPF, PIB e GACP devem ser cumpridas e, finalmente;

 

- A cannabis para fins medicinais também está sujeita ao disposições da Lei de Narcóticos;

 

- Os fornecedores de países terceiros terão de implementar as normas GMP da UE se eles querem fornecer cannabis medicinal ao mercado da UE. Entretanto, as monografias da farmacopeia europeia (Ph. Eur.) que descrevem os requisitos de qualidade para a flor de cannabis (como API e para prescrição direta aos pacientes) e para o CBD foram estabelecidas e serão implementadas a partir de 1 de julho de 2024.  

 

Outro país que mudou a sua legislação para restringir o acesso de produtos de cannabis visando garantir uma qualidade “farma” foi a Austrália.  The Therapeutic Goods Administration - TGA (Órgão australiano responsável pela regulamentação de produtos terapêuticos, incluindo medicamentos prescritos, vacinas, protetores solares, vitaminas e minerais, dispositivos médicos, sangue e hemoderivados), considerou reformar os padrões de qualidade de importação em outubro de 2020.

Ao longo do período de consulta, foram levantadas questões em torno de condições de concorrência desiguais, onde os produtos medicinais de cannabis fabricados localmente eram obrigados a cumprir padrões de qualidade mais rigorosos do que os produtos importados.

Embora todos os produtos fornecidos na Austrália devam aderir à Ordem de Produtos Terapêuticos 93 (TGO93), apenas os produtos locais também deveriam ser fabricados em instalações certificadas em conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (GMP).

As mudanças recentemente anunciadas incorporam os requisitos de GMP no TGO93. Especificamente, cada lote de produtos importados deve ser fabricado em instalações que atendam a um dos vários códigos GMP “equivalentes” credenciados pela autoridade nacional do país de origem.

Estes países incluem todos os estados membros da UE; o Reino Unido; os EUA; Israel; Canadá e África do Sul. Isto se soma aos países que já possuem um acordo de reconhecimento mútuo de BPF em vigor com a Austrália, como Suíça e Nova Zelândia, e aos fabricantes de outros países que buscaram e receberam de forma independente o credenciamento GMP do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S).

Produtos de fabricantes canadenses que possuem apenas certificação de Boas Práticas de Produção e não são certificados como GMP pela Health Canada ou por um estado membro da UE, não serão mais permitidos.

Assim, as empresas australianas de cannabis medicinal estão finalmente preparadas para competir em igualdade de condições com os importadores estrangeiros.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige para o registro de medicação a base de cannabis que as empresas deverão possuir Certificado de Boas Práticas de Fabricação (tanto para os fabricantes nacionais quanto para os laboratórios estrangeiros). Já as empresas exclusivamente importadoras e distribuidoras de produtos acabados, deverão possuir Certificado de Boas Práticas de Distribuição e Armazenagem.  

De acordo com o guia da agência, as empresas deverão apresentar o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) ou de Distribuição e Armazenagem (CBPDA), conforme o caso, já no momento da submissão, ou seja, o protocolo do pedido de CBPF ou CBPDA não será suficiente para instruir o processo de autorização sanitária dos produtos à base de Cannabis.

Não obstante, o Art.22, §1º, da RDC 327/19, estabeleceu o período de 3 (três) anos a contar da data de publicação da referida resolução, no qual a Anvisa aceitará documento equivalente à BPF, emitido pela autoridade competente no país de origem dos produtos, no caso de importados, entendendo-se como tal, BPF de Medicamentos emitida por países que sejam membros do Esquema de Cooperação Farmacêutica PIC/S. Nesse período de três anos, a empresa interessada deverá protocolizar o pedido de CBPF extrazona para os fabricantes estrangeiros, sob o risco de ter a autorização sanitária do produto cancelada, se não o fizer no prazo determinado.

O fato é que os produtores que ainda queiram competir no mercado internacional de cannabis terão de ter certificação GMP e ter certificação europeia disponibilizará automaticamente os produtos na Europa, Austrália e Brasil (grandes mercados).

Assim, como ainda não existe uma “Norma harmonizada de Cannabis GMP disponível para cannabis medicinal (API/Medicina)”, a certificação GMP da UE está a sendo utilizada como base para a normalização de produtos de cannabis. Com isso, as portas estão se fechando para os produtores que querem competir a nível internacional, mas não possuem essa certificação.

 

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Tiago Zamponi* é advogado com especialização em desenvolvimento de negócios, vendas e planejamento estratégico. Atualmente reside no Canadá onde atua  como General Manager LATAM da Nordstern.trade uma empresa focada no fornecimento, aquisição, gestão de qualidade e apoio logístico para o movimento seguro de cannabis medicinal entre partes licenciadas em todo o mundo.